Capítulo Um: Despertar
Quando abriu os olhos, o céu estava branco.
Não era completamente branco. Uma luz tingida de azul pálido flutuava como névoa. Dentro dela, partículas douradas subiam lentamente. Como se desafiassem a gravidade.
Kobayashi Takuya levantou o corpo.
Sob seus pés se estendia uma grama macia. Mas a paisagem que se abria à sua frente o deixou sem fôlego.
Abaixo de seus olhos, uma superfície de água que se estendia infinitamente.
Não, era um lago.
Um lago gigantesco, grande demais, que continuava até o horizonte distante. Sua forma era de alguma maneira familiar. Um contorno alongado e complexamente recortado. Honshu, Shikoku, Kyushu – era exatamente a forma da massa de terra que antes era chamada de arquipélago japonês.
“Aqui é…”
Takuya se levantou e olhou ao redor.
O lugar onde estava era uma região de colinas suaves. Ao longe, montanhas baixas se alinhavam, e além delas se via outro lago. O lugar que deveria ser o Oceano Pacífico agora era terra firme.
No céu parecia haver dois sóis. Não, um sol e algo que refletia sua luz. A luz se refratava, formando uma faixa de cores do arco-íris que atravessava o céu.
O vento soprou.
Era morno e tinha um cheiro de alguma forma nostálgico. Aroma de maresia. Mas aqui não havia mar.
“Será que morri?”
A voz murmurada foi absorvida pelo ar e desapareceu.
Capítulo Dois: A Terra Invertida
Takuya começou a descer a colina.
O som de seus passos quase não se ouvia sobre a grama. Em vez disso, uma música distante chegava aos seus ouvidos. Não era exatamente música, mas algo como uma melodia tocada pelo vento.
Ao se aproximar da margem do lago, viu a superfície da água brilhando em prata. Sem ondas, quieta como um espelho. O que se refletia nela era o céu, as partículas de luz e sua própria imagem.
Takuya se agachou e mergulhou a mão na água.
Nem fria, nem morna. Apenas, no instante em que a tocou, uma lembrança ressurgiu.
O dia em que foi pescar com seu pai. Era da época da escola primária. A face de seu pai sorrindo, dizendo “que fria” ao mergulhar a mão na água do rio.
“Que saudade…”
Levantou-se e olhou para além do lago. O lugar onde antes ficava Tóquio agora estava no fundo do lago. A vida das pessoas, os prédios, os trens, tudo submerso sob a água.
Não, estava errado.
Este era o “além”. Tudo sempre foi assim desde o início, provavelmente.
Takuya começou a caminhar pela margem do lago.
Sob seus pés floresciam flores que nunca tinha visto. Com pétalas transparentes, abrigando luz em seu interior. Quando pisava nelas, uma luz suave se espalhava.
Quanto tempo teria caminhado?
À frente, viu uma silhueta humana.
Capítulo Três: Reencontro
Aquela pessoa estava no topo da colina.
De costas, olhando para o lago.
Os passos de Takuya naturalmente se aceleraram.
“…Pai”
Sua voz tremia.
A silhueta se virou.
Kobayashi Kenichi. O pai de Takuya.
Havia falecido três anos atrás. Ataque cardíaco. Foi repentino.
“Takuya?”
Seu pai sorriu gentilmente.
O mesmo sorriso de quando estava vivo. Mas havia algo de transparente nele. Como se estivesse se dissolvendo na luz deste mundo.
“Pai… é realmente você?”
“Sim. Ficou surpreso?”
Takuya assentiu. Não conseguia encontrar palavras.
Seu pai indicou que ficasse ao seu lado. Os dois, lado a lado, olharam para o lago.
“Então este é o além”
“Sim. Você também veio para cá”
“…Ainda não consigo acreditar”
“Deve ser assim mesmo”
O silêncio desceu.
Mas não era um silêncio desconfortável. O vento passava entre os dois.
“É estranho” disse o pai. “O que era mar quando estávamos vivos virou terra, e o que era terra virou lago”
“Está tudo invertido”
“Sim. Tudo”
Takuya de repente pensou.
“Pai… você esteve aqui este tempo todo?”
“Sim. Estava cuidando de vocês”
“Cuidando?”
“Dá para ver daqui, sabe. O mundo dos vivos”
Seu pai olhou para longe.
“Vi você se formar na universidade. Conseguir emprego. Vi sua mãe bem. Vi tudo”
O peito de Takuya ficou quente.
“…Obrigado”
“Obrigado por quê?”
“Porque não consegui dizer na época. Quando você morreu, não consegui dizer nada”
Seu pai colocou a mão no ombro de Takuya.
“Está tudo bem. Seus sentimentos chegaram até mim”
Capítulo Quatro: Diálogo à Margem do Lago
Os dois caminharam pela margem do lago.
No lugar onde antes ficava o Monte Fuji, havia um buraco gigantesco. Não, não era um buraco. Era um lago dentro do lago. Uma poça de água azul profundo, sem fundo visível.
“Aquele é um lugar especial” disse o pai. “Um lugar onde as almas se reúnem”
“Almas?”
“Sim. Um lugar onde se preparam para renascer”
Takuya parou.
“Renascer…?”
“Sim. Este é o além, mas não é um lugar de fim. É um lugar para se preparar para o próximo”
“O pai também vai renascer?”
“Algum dia”
Seu pai sorriu.
“Mas ainda não. Vou ficar aqui mais um pouco”
“Por quê?”
“Porque queria ver você”
Com essas palavras, os olhos de Takuya se umedeceram.
“Quando você estava vivo, devíamos ter conversado mais”
“É verdade”
“As coisas que você gostava, o que pensava, eu não sabia nada”
“Eu também” o pai riu. “Também não entendia muito sobre você”
Os dois se olharam e riram.
Capítulo Cinco: Partículas de Luz
O dia começou a declinar – na verdade, não se sabia se havia um “dia” real neste mundo. Mas a luz mudou.
Uma luz alaranjada se refletia na superfície do lago.
As partículas de luz que dançavam no céu começaram a brilhar mais vividamente.
“Que bonito” Takuya murmurou.
“Sim”
“O que será essa luz?”
“Dizem que são fragmentos de almas” respondeu o pai. “Sentimentos, memórias, essas coisas que tomaram forma”
Takuya estendeu a mão.
Uma partícula de luz desceu em sua palma. Era morna. E, por um instante, viu uma imagem.
O sorriso de alguém. O sorriso feliz de uma pessoa desconhecida.
“Viu?”
“Sim… é a memória de alguém”
“Isso mesmo. Aqui, todos os sentimentos se tornam luz”
Takuya olhou para o céu.
Inúmeras luzes brilhavam como estrelas.
Cada uma delas era a memória de alguém. O amor de alguém. A tristeza de alguém.
“Eu também vou virar uma dessas luzes algum dia?”
“Sim. E então renascerá como uma nova vida”
“Será que vou ver a luz do pai?”
“Verá. Se você procurar”
Capítulo Final: Despedida e Reverberação
Não havia sensação de tempo.
Mas, de alguma forma, sabia que o momento da despedida se aproximava.
“Tenho que ir?” perguntou Takuya.
“Sim. Ainda não é hora de você ficar aqui”
“O que quer dizer?”
Seu pai sorriu gentilmente.
“Você ainda está vivo”
Takuya ficou sem ar.
“Vivo…?”
“Sim. Agora está dormindo no hospital. Mas logo vai acordar”
“Então isso é…”
“Algo como um sonho. À beira da morte, você veio até aqui. Mas ainda pode voltar”
No peito de Takuya, emoções complexas se agitavam.
Alegria. Alívio. E tristeza.
“Queria ter conversado mais com o pai”
“Nos encontraremos de novo. Algum dia, quando chegar o momento de você realmente vir para cá. Até lá, viva com firmeza”
Seu pai abraçou Takuya.
Era quente.
O mesmo calor de quando estava vivo.
“Obrigado, pai”
“Eu que agradeço. Foi bom ter te visto”
A luz ficou ofuscante.
O corpo de Takuya começou a flutuar.
“Pai!”
“Vá, Takuya. Cuide de sua mãe”
A figura de seu pai se distanciava.
O lago, a colina, o mundo invertido, tudo desaparecendo na luz.
A última coisa que viu foi o sorriso de seu pai.
Quando abriu os olhos, havia um teto branco.
Cheiro de hospital. Som de máquinas.
“Takuya!”
A voz de sua mãe.
“Você acordou!”
Takuya olhou lentamente para sua mãe. Ela estava chorando.
“Mãe…”
“Que bom… que bom mesmo…”
Takuya olhou pela janela.
Céu azul. Nuvens brancas. E, ao longe, o mar.
O oposto daquele mundo.
Mas de alguma forma sentia que estavam conectados.
Ao olhar para o céu, pareceu ver pequenas partículas de luz dançando na luz do sol.
Talvez fosse a luz que seu pai havia enviado.
Takuya sorriu levemente.
“Obrigado, pai”
Aquele murmúrio, levado pelo vento, chegou a algum lugar distante.
【FIM】

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